terça-feira, 18 de setembro de 2007

A rima, a prostituta da língua.

Pois é, meu caro boçal que lê este texto; deixa eu te perguntar uma coisa: Você ouve música brasileira? Você lê poemas? Você ESCREVE poemas? Se você respondeu "sim" para alguma destas questões, você corre sério risco de fomentar toda esta prostituição que existe na língua de Pessoa.


"É, jão. Fazer uma rima cabulosa com os parceiros, tá ligado?"

Digo isto porque o estupro à lingua portuguesa é cotidiana e, de tempos em tempos, seguem uma moda. Neste nosso século XXI de avanço tecnológico e inclusão digital o principal vício daqueles que matam diariamente o Manuel é o gerundismo: na incapacidade de conhecer a norma culta, joga um "endo" e um "indo" que tá "valendo". Ele não é de todo errado, como muitos coléricos que ouvem estes sufixos pregam (acredite, são falsos profetas); mas também virou uma putaria de dar dó... Enfim, estou divagando e não me proponho a falar de gerundismos neste texto, mas falar de algo muito maior e que ninguém vê: o lirismo de letristas e poetas apaixonados, viciados, prostituídos e qualquer outra coisa que você quiser chamar.

Pegue um poema que você escreveu e leia-o. Leia denovo. Nunca fez poeminha, neném? Então pegue uma letra de música que você gosta e faça a mesma coisa. Pronto? Vamos lá:

Pergunta número um: ele rima? Se não rima, ponto pra você, mas nada lhe impede de pegar outro, pois o assunto é muito sério e você precisa ler isto até o final e educar seus filhos quanto a isso.

A rima paga. Sullivan e Massada que o digam.

Ah, o poema rima? Então leia isto: A PORRA DESTA RIMA TÁ MAL FEITA, CARALHO. É isso aí. Você corre uma chance, segundo meus levantamentos, de 18% de ter pegado um texto com uma rima bem feita, mas a maioria das rimas são de filhos da puta que só querem fazer esses versinhos colarem na sua cabeça e ganharem alguns milhares de reais às suas custas. E você acha bonito, ainda.

Vamos deixar claro porque a rima está mal feita. Provavelmente, a maior miséria cometida nas rimas e, obviamente, a mais corriqueira, é fazer rimas com verbos no infinitivo (se você não sabe o que "infinitivo" significa, vá à merda). Assim qualquer um, né, nêgo? Porra, todas as ações humanas neste mundo estão transformadas em verbo na nossa língua e têm, no máximo, em três diferentes conjugações: ou é da primeira (falar, cantar), ou é da segunda (fazer, comer) ou é da terceira (seduzir, decidir). Ou seja, aquele cara que escreveu uma letra para a Wanessa Camargo pensou mais ou menos assim: "Ah, coloca qualquer verbinho aí no final da estrofe e os idiotas engolem!" Não acredita? Veja por exemplo uma música da Kelly Key chamada Adoleta:

Te chamo pro cinema você tem que estudar,
E quando a gente sai sempre tem hora pra voltar.
Não vê que eu tô na sua louca pra te beijar.
Se liga na ideia que eu vou te mandar.

E aí? Como você se sente? Não sei quem escreveu esta merda para a mulher que, segundo o Latino, já foi mais humilde; mas ele te fez de trouxa - ele e todos os outros que rimam com verbos no infinitivo. O pior de tudo é saber que ele é bem pago para isto. Sinceramente? É mais digno roubar e matar.

"Meus livros não foram suficientes para o Filho de Vó."

Outra rima safada e que você engole é a combinação "amor" e "dor". Ok, eu sei que quem ama às vezes se machuca e blá, blá, blá... mas já deu, né? Esta daqui qualquer pagodinho tem, porém, o exemplo que trago não é de qualquer um considerado produtor de lixo cultural, é de ninguém menos do que Millôr Fernandes. Sim, aquele cara que assina aquele texto engraçadinho que você recebeu por email, mas que provavelmente não é dele. O trecho a seguir é de uma música dele chamada "O Homem":

Vinte mil dias tem de vida
Tem cem mil horas de amor
Um tempo infindo para o pranto
Um tempo infinito para a dor

Legal o texto, né? Ficou entre as dez finalistas no festival da Record de 1967. Você seria capaz de chorar se lesse o resto da letra, mas como você já leu o texto até aqui, a única coisa que lhe sobram são risadas. Tio Millôr, coitado! Tão culto e escorregou na banana... nem o emo do Álvares de Azevedo fez uma rima destas, mas o Alexandre Pires, ex vocalista do Só Pra Atropelar, fez. Zizi Possi, Jota Quest, Inimigos da HP, Molejo... deste ponto de vista, todos estão à altura de Millôr.

Você já usou drogas? Usa? Por acaso você já entou escrever ou ouviu alguma música com a palavra "maconha"? Qual era a rima? Com certeza era "vergonha". Se você um dia for escrever um poema-apologia use outras palavras, já está manjado demais . "Fronha", "insônia", "enfadonha", "medonha", "tristonha", "risonha", "sonha" e "ponha" são boas palavras para você que curte dar um tapinha e escrever suas viagens quando estiver chapado. A língua é rica e o dicionário de rimas é para idiotas.

Poderia perder meu tempo escrevendo alguns parágrafos sobre "paixão" e "coração", verbos no passado, aumentativos, "você" e outras coisas; mas acho que a idéia já coube no texto. Também não vou dar exemplos de rimas bem feitas, pois não sou Cosme-e-Damião. E foda-se, cansei de escrever.

Diga rápido: qual a rima que vêm à sua cabeça para a palavra "criança"? Ah, meu garoto, tá ficando malandro, hein? É esse o espírito da coisa! Agora vá lá e tente ouvir, ler e escrever coisas que prestem. Eu tenho esperança.