quinta-feira, 6 de setembro de 2007

Quando éramos anarquistas e não sabíamos

"Nada pessoal, Olavão, mas o meu é maior que o seu."

Ah, a infância! Época em que todos dizem ser uma época de pureza, inocência e toda aquela conversinha mole parnasiana. Quer saber? Eu até concordo com o Gonzaguinha - crianças são isso mesmo. Não por nascerem boazinhas, mas por ainda não terem vivido de forma suficiente esse mundão de meu deus para conhecerem a linha tênue entre a malandragem e a mancada. Todo mundo aqui já exercitou seu sadismo fazendo sofrer pequenos animais ou torturando um amiguinho, seja de forma física ou moral. Sem contar quando não se é o alvo.

Crianças

Poderia elencar aqui várias as categorias de mancadas que cometemos nesta fase tão bonita, a qual todos nos carregaram no colo. Contudo, como nos aproximamos de uma data temática, darei um exemplo à altura.

Sete de setembro está aí, pessoal! É hora de hastearmos bandeiras, cantarmos o nosso glorioso hino nacional e ver na TV e nas principais avenidas do país milicos e coxinhas desfilando com aquela cara de "o comandante mandou eu fazer de conta que não estou passando fome". Pois bem, é nesta época que me lembro de uma cena de minha tenra infância.

Certa vez (não se sabe quem, como, nem onde) surgiu uma paródia do hino nacional na minha escola. Sucesso total. Como em uma sociedade secreta, cantávamos aos nossos pares sem que professores e bedéis se intrometessem nisso. Quando aprendiam, refaziam o ciclo, contaminando todo um colégio. Coincidência ou não, isto foi uma semana antes de uma excursão que faríamos
ao zoológico.

Todos sabem o que é uma excursão com crianças do primário: pirralhos batendo palmas dizendo "quem roubou pão na casa do João", "fala-bum-xica-bum", "motorista, olha a pista, não é de salsicha", etc-e-tal. Mas esse dia foi diferente. Estávamos cansados de entoar as mesmas canções enquanto estávamos naquele ônibus, tirando racha com a outra turma a caminho do zôo. Resolvemos cantar a nossa versão do Hino Nacional Brasileiro, que compartilho - em parte - a vocês:

Ouviram do Ipiranga, perna aberta,
Sentado num sofá sem cobertas.
Pau levanta, barriga cresce,
Só depois de nove meses que aparece
Uma criança cheia de vida,
Mas com a bunda toda cheia de feridas.
(parte que eu esqueci)
Oh, pátria amada, pau no cu da empregada!
É por isso que o Brasil não vai pra frente,
Tem até gente comendo o cu do presidente.

E assim foi a viagem inteira. Na ida e na volta. Tava tudo legal, vimos o hipopótamo, o elefante, a onça, a lontra, comemos sanduíche... Diversão total. Crianças entre 9 e 10 anos não precisam de muita coisa para tal; muitas vezes inventamos nossos brinquedos e também (Rá!) a nossa música.

Até que no dia seguinte algo pesado havia no ar: assim que entramos na sala estava nossa professora e a diretora. De cara amarrada, esperaram todos se acomodarem, quando esbravejaram todas as palavras que um moralista tem em seu vocabulário.

Patriota em trajes típicos de seu país

Duas velhas corocas, enrugadas, de avental e donas da razão. Esbravejavam e pulavam meio metro de altura dizendo o quanto era feio o que havíamos feito. Gente, a pátria é pra ser amada, é um desrespeito o que vocês fizeram com o hino e com o nosso país... isso dá cadeia, sabia? Vocês mereciam suspensão para aprender a respeitar aqueles que construíram o nosso país, este lugar chamado Brasil.

Fizemos cara de coitados, olhando para o chão, de orelhas murchas. Duas horas depois, estávamos brincando de pega-pega e torturando nossos amiguinhos. Alguns anos passados posso dizer: barbarizamos. E foi pouco.

Pois como disse Emma Goldman, "até hoje nenhum grupo revolucionário foi mais perigoso aos governos instituídos do que as crianças e os loucos" (ou algo parecido).

Feliz independência do brasil.

PS.: Se alguém souber a versão completa da paródia do hino, favor contribuir.