quinta-feira, 27 de setembro de 2007

O dia em que a escória foi à forra

Quem você discrimina? Gaguejou, demorou demais para responder, seu lorpa. Tudo bem, não precisa responder agora, nem depois de ler este texto; afinal, estou pouco me lixando para você, mas enfim...


Diz a lenda que, em determinado momento de nossa história, um grande pensador que já existiu na humanidade, o senhor Claude Lévi-Strauss, foi convidado a fazer um discurso na ONU onde o tema em questão era cultura, diferenças, intolerância e essa ladainha toda. O mestre Strauss, então, foi ao púlpito, respirou fundo, deu uma ajeitada na cueca que atochava-lhe o rego e disse:


- Os povo é assim mesmo, jão. Não tem sociedade tolerante, não, meus trutas do mundo global, todo mundo odeia todo mundo e é assim mesmo... fazer o quê?


Todo mundo esperava uma apoteose onde o senhor supracitado fizesse todos chorarem e porem a mão no coração. Ao contrário. O mesmo tornou-se persona non grata nos arredores da ONU e nunca mais pode ficar junto com um grupo de pessoas com mais de uma nacionalidade diferente. Reza a lenda.

"Tem jeito, não. Senta e chora."


Mas por quê escrever tudo isto? Simples: certo dia estava eu no metrô voltando de um certo lugar e em direção à casa de minha avó. Ao fazer a baldeação em certa estação, deparo-me com uma pessoa muito peculiar à minha frente, na escada rolante: uma senhora envolta por longos tecidos e acompanhada de mãos dadas com seu marido. Iam na mesma direção que a minha. Notei que ela chamava a atenção de todos ao redor, mas não conseguia ver o que se passava, pois ela estava de costas. Até que, quase terminando percurso da escada rolante, vejo o que havia de tão diferente em tudo isto – a mulher usava uma de burca, onde a única parte de seu corpo que ficava à mostra eram seus olhos.


Curioso com a situação, resolvi segui-los, de forma que pudesse pegar o mesmo vagão que ambos e ver o que decorreria de tudo aquilo. E assim foi. Sentaram-se. Fiquei em pé no vagão, enconstado em uma das portas, de modo a ver, em 180 graus, as reações das pessoas em relação ao casal. Todos trocavam olhares e viam com a mesma curiosidade que a minha aquela cena típica de jornais exibindo imagens do outro lado do mundo. Quando, então, uma imbecil quebrou o silêncio.


“Ah, ele que saia logo desse trem, não quero que ele exploda nada perto de mim, que vá pra lá”, dizia uma mulher. Loira, de média altura, exibia traços de obesidade mórbida, seja por não ter sido educada corretamente a se alimentar, seja por não ter bom senso ao escolher uma refeição ou seja por não ter dinheiro suficiente para comprar nada além de um X-tudo em sua hora de almoço. Era o tipo de mulher que é ponto de referência, todos apontam e notam sua respiração ofegante e sua pele lustrada pela transpiração quando passam por ela ao caminharem pela rua. O tipo da mulher que tem vergonha do corpo para ir à praia ou sente constrangimento ao se sentar em assentos estreitos, mas nunca tem este tipo de sentimento ao comer em público.

Esta é uma burca


Sua interlocutora, que apenas dava risada dos resmungos, era negra. Gargalhava com gosto, exibindo a falta de alguns dentes em sua boca. Por estar naquele horário no metro, provavelmente retornava de seu trabalho, mas pela sua face maltratada e pela condição histórica que tem sido imposta à sua raça ao longo dos anos no país, provavelmente ocupava um subemprego daqueles em que se é invisível e que os outros só dão sua falta quando você não está lá. Além de sofrer humilhações não-verbais, deve contentar-se com um salário mínimo por mês, que tem de repartir com seus filhos.


“Olha só, coitada da mulher, não dá nem um espacinho para ela respirar! Que absurdo! Como vive assim?”, a loira continuava em tom de deboche para outra pessoa. Este, um jovem pardo. De fones de ouvido e roupas antigas já surradas, era o estereótipo do homem que tem sua entrada negada em uma agência bancária, ou é seguido por seguranças em qualquer loja de departamentos que entre. Também é a cópia fiel daquele que você levanta os vidros do seu carro quando vê atravessar a rua.


As três pessoas não se conheciam até o momento, mas resolveram ficar amigas para fazerem piadas e discriminarem aquele corpo estranho que era o casal. As palavras da loira gorda eram ditas de forma enfática e nem um pouco discreta, de modo que o casal certamente ouviu, visto que a distância era pequena e eu estava mais próximo da mulher de burka e seu marido do que daqueles três mazelados.


Ao casal, sobrou a serenidade de aturar aquelas palavras, visto que não a ouviam pela primeira vez.



Aos três, sobrou a vontade de esquecerem da vida que levavam e de todas as cicatrizes de seus corpos.


A mim, sobrou este texto e a sensação de como somos infelizes.


Ninguém se lembrou de admirar a expressividade dos olhos amendoados daquela mulher.

terça-feira, 18 de setembro de 2007

A rima, a prostituta da língua.

Pois é, meu caro boçal que lê este texto; deixa eu te perguntar uma coisa: Você ouve música brasileira? Você lê poemas? Você ESCREVE poemas? Se você respondeu "sim" para alguma destas questões, você corre sério risco de fomentar toda esta prostituição que existe na língua de Pessoa.


"É, jão. Fazer uma rima cabulosa com os parceiros, tá ligado?"

Digo isto porque o estupro à lingua portuguesa é cotidiana e, de tempos em tempos, seguem uma moda. Neste nosso século XXI de avanço tecnológico e inclusão digital o principal vício daqueles que matam diariamente o Manuel é o gerundismo: na incapacidade de conhecer a norma culta, joga um "endo" e um "indo" que tá "valendo". Ele não é de todo errado, como muitos coléricos que ouvem estes sufixos pregam (acredite, são falsos profetas); mas também virou uma putaria de dar dó... Enfim, estou divagando e não me proponho a falar de gerundismos neste texto, mas falar de algo muito maior e que ninguém vê: o lirismo de letristas e poetas apaixonados, viciados, prostituídos e qualquer outra coisa que você quiser chamar.

Pegue um poema que você escreveu e leia-o. Leia denovo. Nunca fez poeminha, neném? Então pegue uma letra de música que você gosta e faça a mesma coisa. Pronto? Vamos lá:

Pergunta número um: ele rima? Se não rima, ponto pra você, mas nada lhe impede de pegar outro, pois o assunto é muito sério e você precisa ler isto até o final e educar seus filhos quanto a isso.

A rima paga. Sullivan e Massada que o digam.

Ah, o poema rima? Então leia isto: A PORRA DESTA RIMA TÁ MAL FEITA, CARALHO. É isso aí. Você corre uma chance, segundo meus levantamentos, de 18% de ter pegado um texto com uma rima bem feita, mas a maioria das rimas são de filhos da puta que só querem fazer esses versinhos colarem na sua cabeça e ganharem alguns milhares de reais às suas custas. E você acha bonito, ainda.

Vamos deixar claro porque a rima está mal feita. Provavelmente, a maior miséria cometida nas rimas e, obviamente, a mais corriqueira, é fazer rimas com verbos no infinitivo (se você não sabe o que "infinitivo" significa, vá à merda). Assim qualquer um, né, nêgo? Porra, todas as ações humanas neste mundo estão transformadas em verbo na nossa língua e têm, no máximo, em três diferentes conjugações: ou é da primeira (falar, cantar), ou é da segunda (fazer, comer) ou é da terceira (seduzir, decidir). Ou seja, aquele cara que escreveu uma letra para a Wanessa Camargo pensou mais ou menos assim: "Ah, coloca qualquer verbinho aí no final da estrofe e os idiotas engolem!" Não acredita? Veja por exemplo uma música da Kelly Key chamada Adoleta:

Te chamo pro cinema você tem que estudar,
E quando a gente sai sempre tem hora pra voltar.
Não vê que eu tô na sua louca pra te beijar.
Se liga na ideia que eu vou te mandar.

E aí? Como você se sente? Não sei quem escreveu esta merda para a mulher que, segundo o Latino, já foi mais humilde; mas ele te fez de trouxa - ele e todos os outros que rimam com verbos no infinitivo. O pior de tudo é saber que ele é bem pago para isto. Sinceramente? É mais digno roubar e matar.

"Meus livros não foram suficientes para o Filho de Vó."

Outra rima safada e que você engole é a combinação "amor" e "dor". Ok, eu sei que quem ama às vezes se machuca e blá, blá, blá... mas já deu, né? Esta daqui qualquer pagodinho tem, porém, o exemplo que trago não é de qualquer um considerado produtor de lixo cultural, é de ninguém menos do que Millôr Fernandes. Sim, aquele cara que assina aquele texto engraçadinho que você recebeu por email, mas que provavelmente não é dele. O trecho a seguir é de uma música dele chamada "O Homem":

Vinte mil dias tem de vida
Tem cem mil horas de amor
Um tempo infindo para o pranto
Um tempo infinito para a dor

Legal o texto, né? Ficou entre as dez finalistas no festival da Record de 1967. Você seria capaz de chorar se lesse o resto da letra, mas como você já leu o texto até aqui, a única coisa que lhe sobram são risadas. Tio Millôr, coitado! Tão culto e escorregou na banana... nem o emo do Álvares de Azevedo fez uma rima destas, mas o Alexandre Pires, ex vocalista do Só Pra Atropelar, fez. Zizi Possi, Jota Quest, Inimigos da HP, Molejo... deste ponto de vista, todos estão à altura de Millôr.

Você já usou drogas? Usa? Por acaso você já entou escrever ou ouviu alguma música com a palavra "maconha"? Qual era a rima? Com certeza era "vergonha". Se você um dia for escrever um poema-apologia use outras palavras, já está manjado demais . "Fronha", "insônia", "enfadonha", "medonha", "tristonha", "risonha", "sonha" e "ponha" são boas palavras para você que curte dar um tapinha e escrever suas viagens quando estiver chapado. A língua é rica e o dicionário de rimas é para idiotas.

Poderia perder meu tempo escrevendo alguns parágrafos sobre "paixão" e "coração", verbos no passado, aumentativos, "você" e outras coisas; mas acho que a idéia já coube no texto. Também não vou dar exemplos de rimas bem feitas, pois não sou Cosme-e-Damião. E foda-se, cansei de escrever.

Diga rápido: qual a rima que vêm à sua cabeça para a palavra "criança"? Ah, meu garoto, tá ficando malandro, hein? É esse o espírito da coisa! Agora vá lá e tente ouvir, ler e escrever coisas que prestem. Eu tenho esperança.

quinta-feira, 13 de setembro de 2007

Quero ser Renan Calheiros *

"Com essa o titio benze a situação"

"Com essa o titio benze a oposição"

Sente só como o bagulho é louco:

Imagina... você é senador, né, aí você comete a cagada deslize de embarrigar uma jornalista que grava suas conversas ao telefone e faz uma coleção de documentos contra ti. Aí você chega pra um camarada seu e diz: "Pô, cara, deu mó merda aí, velho, a patroa não pode saber senão fode tudo. Sou político, tá ligado? Faz o seguinte, dá um vale-coxinha pra essa perdida aí senão já era, ok? Ah, aproveita que você vai no banco e paga esse carnê das Casas Bahia, firmeza? Valeu!"

Até aí, nada de mais. Só que a Veja descobriu e vai usar você para derrubar o governo.

Aí você gosta muito de beber cerveja. Pra caralho. Tipo Nova Schin, o supra-sumo da cevada. Como você é amigo da alta cúpula desta grande corporação, você resolve dar um mimo pra eles. Poxa vida, os caras tavam com uma dívida de R$ 100.000,00 no INSS e na Receita... aí é mancada; nenhuma cervejaria consegue juntar tanta sujeira assim. Álcool é desinfetante, meu. O que você faz? Alivia pra eles. Opa, não esqueça: você é senador e impõe uma condição: "Olha, mano Schin, sabe como é, tenho um irmão que não tá muito bem das pernas, coitado... compra uma fábrica dele, ok? Faz o seguinte: paga a mais do que ele tá pedindo. Afinal de contas, livrei vocês de 100 milhões na bundinha."

Até aí, nada de mais. Só que a Veja descobriu e vai usar você para derrubar o governo.

Tipo, coloca na cabeça que você é político, porra! Não vou falar denovo, ok? Como que você faz pra se eleger? Faz propaganda, né? Mas tem TSE e essas ONGs de transparência na tua bunda, o que você faz? Rá!, seja sócio de uma rádio. É, mas ninguém pode saber, ou seja, mete um laranja lá. Aí você se perpetua no poder.

Até aí, nada de mais. Só que a Veja descobriu e vai usar você para derrubar o governo.

Seu salário é baixo, sua orçamento é elevado. Como é que fica? Ora, pega uma graninha aí. Você tem a maior bancada do senado e da câmara, é da base governista, recebe vários ministérios para apoiar o governo. Nada mais justo cobrar propina. Você é convidado de honra e não vai querer ganhar o seu? Muito espertinho você que diz "não".

Até aí, nada de mais. Só que o Época descobriu e também vai usar você para derrubar o governo.

Aí veio a votação para te tirar do cargo e dar uma malhadinha no Judas. A Folha de São Paulo faz um senso e dá como certa a sua cassação, todo mundo levanta as orelhas prontos para dar mais um passo à paralisia do governo e caçoar de tua face.

Resultado: Você venceu, Renan. Até a oposição votou em ti, Renan. Ninguém achou que tu eras tão malacabado assim, Renan. Tá todo mundo falando, Renan.

O governo? Muito bem avaliado, obrigado.

É nessa hora que eu me levantaria da cadeira, abotoaria meu paletó, me inclinaria um pouquinho só pra tás, flexionaria levemente meus joelhos e diria: "PEGA AQUI, Ó, SEUS MERDAS!"

Renan, o que você tem que eu não tenho, Renan? Mano Brown responde: "apenas um rapaz latino-americano apoiado por mais de 50 mil manos."

Se você ler esse texto um dia, Renan, me convide pra ser seu assessor.

* ou, explicando política para despolitizados.

quinta-feira, 6 de setembro de 2007

Quando éramos anarquistas e não sabíamos

"Nada pessoal, Olavão, mas o meu é maior que o seu."

Ah, a infância! Época em que todos dizem ser uma época de pureza, inocência e toda aquela conversinha mole parnasiana. Quer saber? Eu até concordo com o Gonzaguinha - crianças são isso mesmo. Não por nascerem boazinhas, mas por ainda não terem vivido de forma suficiente esse mundão de meu deus para conhecerem a linha tênue entre a malandragem e a mancada. Todo mundo aqui já exercitou seu sadismo fazendo sofrer pequenos animais ou torturando um amiguinho, seja de forma física ou moral. Sem contar quando não se é o alvo.

Crianças

Poderia elencar aqui várias as categorias de mancadas que cometemos nesta fase tão bonita, a qual todos nos carregaram no colo. Contudo, como nos aproximamos de uma data temática, darei um exemplo à altura.

Sete de setembro está aí, pessoal! É hora de hastearmos bandeiras, cantarmos o nosso glorioso hino nacional e ver na TV e nas principais avenidas do país milicos e coxinhas desfilando com aquela cara de "o comandante mandou eu fazer de conta que não estou passando fome". Pois bem, é nesta época que me lembro de uma cena de minha tenra infância.

Certa vez (não se sabe quem, como, nem onde) surgiu uma paródia do hino nacional na minha escola. Sucesso total. Como em uma sociedade secreta, cantávamos aos nossos pares sem que professores e bedéis se intrometessem nisso. Quando aprendiam, refaziam o ciclo, contaminando todo um colégio. Coincidência ou não, isto foi uma semana antes de uma excursão que faríamos
ao zoológico.

Todos sabem o que é uma excursão com crianças do primário: pirralhos batendo palmas dizendo "quem roubou pão na casa do João", "fala-bum-xica-bum", "motorista, olha a pista, não é de salsicha", etc-e-tal. Mas esse dia foi diferente. Estávamos cansados de entoar as mesmas canções enquanto estávamos naquele ônibus, tirando racha com a outra turma a caminho do zôo. Resolvemos cantar a nossa versão do Hino Nacional Brasileiro, que compartilho - em parte - a vocês:

Ouviram do Ipiranga, perna aberta,
Sentado num sofá sem cobertas.
Pau levanta, barriga cresce,
Só depois de nove meses que aparece
Uma criança cheia de vida,
Mas com a bunda toda cheia de feridas.
(parte que eu esqueci)
Oh, pátria amada, pau no cu da empregada!
É por isso que o Brasil não vai pra frente,
Tem até gente comendo o cu do presidente.

E assim foi a viagem inteira. Na ida e na volta. Tava tudo legal, vimos o hipopótamo, o elefante, a onça, a lontra, comemos sanduíche... Diversão total. Crianças entre 9 e 10 anos não precisam de muita coisa para tal; muitas vezes inventamos nossos brinquedos e também (Rá!) a nossa música.

Até que no dia seguinte algo pesado havia no ar: assim que entramos na sala estava nossa professora e a diretora. De cara amarrada, esperaram todos se acomodarem, quando esbravejaram todas as palavras que um moralista tem em seu vocabulário.

Patriota em trajes típicos de seu país

Duas velhas corocas, enrugadas, de avental e donas da razão. Esbravejavam e pulavam meio metro de altura dizendo o quanto era feio o que havíamos feito. Gente, a pátria é pra ser amada, é um desrespeito o que vocês fizeram com o hino e com o nosso país... isso dá cadeia, sabia? Vocês mereciam suspensão para aprender a respeitar aqueles que construíram o nosso país, este lugar chamado Brasil.

Fizemos cara de coitados, olhando para o chão, de orelhas murchas. Duas horas depois, estávamos brincando de pega-pega e torturando nossos amiguinhos. Alguns anos passados posso dizer: barbarizamos. E foi pouco.

Pois como disse Emma Goldman, "até hoje nenhum grupo revolucionário foi mais perigoso aos governos instituídos do que as crianças e os loucos" (ou algo parecido).

Feliz independência do brasil.

PS.: Se alguém souber a versão completa da paródia do hino, favor contribuir.